O inimigo imaginário.

Nos últimos tempos, o Brasil ingressou no grotesco mundo da polarização política ou radicalização. Não só o Brasil como outros países também, é claro. Nas terras tupiniquins chega-se ao absurdo de dizerem que quem não é de direita é comunista e quem não é de esquerda é fascista. Ora, estes são conceitos dos idos do século XX, que ficam bem dentro de um museu, mas não no mundo atual, solto dessas amarras que em nada ajudaram a humanidade.

Aliás, o conceito de esquerda e de direita surgiu durante a Revolução Francesa em 1789, em que os partidários do rei se posicionavam à direita do presidente da Assembleia Nacional e à esquerda ficavam os defensores da revolução. Com a evolução política que tivemos nos últimos duzentos anos, esses conceitos são ultrapassados e servem apenas como uma mera referência e daí utilizá-los para a rotulação de fascistas ou comunistas é um verdadeiro acinte.

O fascismo se foi com o fim da Segunda Grande Guerra, em que as potências que formavam os Aliados venceram as potencias do Eixo, estas sim regimes totalitários. Foi a vitória da democracia sobre o fascismo e o nazismo. Mas, não podemos nos esquecer que, do lado dos Aliados, tínhamos a União Soviética sob o comando de Stalin, que sob nenhuma ótica era um democrata, ao contrário, foi um ditador num regime comunista, responsável por dezenas de milhões de mortes. Mas, como o inimigo do meu inimigo é meu amigo, Stalin, acuado pelos alemães nos meados da guerra, optou por ficar do lado dos Aliados. De fato, Estados Unidos, Reino Unido e França eram sem dúvida países democratas. E, no meio disso tudo, temos o Brasil, que na década de 40 do século passado não era, nem de longe, uma democracia, pois estávamos subjugados pelo pulso forte de Getúlio Vargas, mas que se posicionou ao lado dos Aliados.

Agora busca-se reavivar regimes que não existem e nem se sustentam. O atual mandatário federal diz aos quatro cantos que está nos protegendo da ameaça comunista. Ora, isto em 1964 até poderia ser factível, principalmente por estarmos em plena Guerra Fria. Mas hoje, nem pensar.

A União Soviética desmantelou-se em 1991. A Rússia é hoje um país capitalista sob o comando forte de Vladimir Putin, que não desgruda do seu trono, mesmo não sendo rei, imperador ou czar. Cuba não se sustenta sobre suas pernas. O regime comunista cubano sobrevive por milagre, pois perdeu sua principal financiadora, a União Soviética, e enfrenta uma crise atrás da outra e, com certeza, não ameaça ninguém. A China, apesar de ser governada pelo partido comunista, o único existente naquelas paragens, portanto, com contornos de regime totalitário, abraçou o capitalismo e não quer soltá-lo. Na atualidade, a China busca poder econômico e pouco está ligando para as lições de Karl Marx.

Pensar que vamos nos defender da China, atual potência econômica e em vias de se tornar a segunda potência militar do planeta, é uma piada. Infelizmente, o Brasil não põe medo nem em Trinidad e Tobago. E pensar que por décadas nosso PIB foi maior do que a China. Perdemos o bonde da história.

Não há nenhuma ameaça comunista. Esta é um inimigo imaginário apenas decorrente de delírios irracionais, que agradam a uma parte da população, que, pelo jeito, não conhece história. Por outro lado, também não temos só fascistas do outro lado do ringue. Temos apenas um bando que acredita estar em março de 1964 na Marcha da Família com Deus pela Liberdade. Por favor, deixem Deus em paz, só por Ele é que o Brasil ainda existe.

O líder do Partido dos Trabalhadores, quando na presidência, também criou seus inimigos imaginários para agradar suas hordas, eram os “eles” ou “as elites”. Até hoje ninguém descobriu quem eram “eles’ e quem eram “as elites”.

É praticamente a mesma estratégia, um faz o mesmo que o outro fez e ambos torcem para que não apareça uma terceira via. Esta sim, é o grande perigo para ambos.

Essa polarização política só nos traz desgaste e incertezas, afugentando investidores internacionais e até nacionais, bem como grandes valores científicos e intelectuais que partem do Brasil.

Necessitamos, urgente, de uma terceira via. Alguém mais centrado, uma liderança com apoio de vários partidos políticos, que não precise dividir votos com outros candidatos de mesmo viés político. Há uma expressiva parcela dos brasileiros, que está cansada desses inimigos imaginários e quer seguir sua vida com tranquilidade e prosperidade em tempos tão perturbados.


Edson Miranda, advogado, professor universitário e escritor.

 

Referência bibliográfica:
Blog do jornalista Fausto Macedo publicado no site do jornal “O Estado de São Paulo” em 9 de outubro de 2021.

https://www.estadao.com.br/politica/blog-do-fausto-macedo/o-inimigo-imaginario/