A sabedoria popular sempre disseminou a ideia de que tudo em exagero não nos faz bem, mesmo que seja algo bom em sua essência. Assim, comer é bom, mas comer em demasia acarretará problemas de saúde como a obesidade. Beber é agradável, mas beber em demasia pode levar ao alcoolismo.
O mesmo se aplica à política. Até pouco tempo, tínhamos os chamados radicais de esquerda, os viúvos do comunismo, que para manter coerência de seus ideais foram e são capazes até de defender inequívocos regimes totalitários. Raramente se encontrava um radical de direita. Parecia até uma espécie em extinção, que desapareceu com o fim do Regime Militar.
Nas eleições para presidente em 2018, começaram a surgir os radicais de direita, travestidos de conservadores. Após a eleição, os freios morais foram às favas.
Surgiram aqueles que passaram a defender conceitos anacrônicos. Temas solapados pelo avanço dos costumes voltaram à tona. Voltou-se ao início do século XX com discursos contrários à vacinação, baseados em meras postagens em rede sociais, colidindo com robustos e incontestáveis estudos científicos. Nunca estivemos com níveis tão baixos de imunização, sob o risco do retorno de doenças já erradicadas do território nacional.
Avanços incontestes, como o regime de cotas nas universidades, uma questão de reparação histórica devida aos negros e aos indígenas, que sofreram os horrores da escravidão, passaram a ser tratados como apenas privilégios indevidos, em prejuízo de outros estratos da sociedade. Ou seja, surgiram questionamentos típicos da aristocracia cafeeira do século XIX, com medo de perder sua mão de obra compulsória.
A vanguarda do ensino passou a ser taxada como desvirtuadora dos bons costumes, que desvalorizava a família tradicional. Coitado de Paulo Freire, malhado a todo tempo, sendo que a maioria, na verdade, sequer conhecia as ideias desse ícone da educação brasileira.
Sem considerar, é claro, o armamento da população como forma de garantir sua segurança e permitir que o povo pudesse se defender de um suposto ataque comunista ou coisa que o valha. Essa liberação das armas só serviu para a evasão de armamentos para o crime organizado e para colocar um arsenal em mãos despreparadas para seu uso. Foi a transformação do Brasil moderno no Velho Oeste americano do século XIX, em que a arma era o meio de garantir a paz.
Por fim, o meio ambiente foi a maior vítima de todas essas convicções desbaratadas, quando se permitiu o desmatamento desenfreado das florestas nacionais e da exploração do garimpo ilegal em reservas indígenas, sob o argumento de que deveríamos tratar nossas florestas como bem quiséssemos, já que os europeus, no passado, liquidaram com as suas e agora se intrometiam em nossos assuntos.
E no meio dessa avassaladora tormenta de sandices, o povo indígena passou enormes privações, como logo se apurou ao fim do governo de ultradireita que tivemos.
Ora, todos esses retrocessos pareciam que estavam mortos e sepultados há anos e que vivíamos numa sociedade moderna, igualitária, compromissada com os avanços de comportamento. Ledo engano.
Na verdade, muitas pessoas não aceitavam esses avanços sociais e passaram a expor o que realmente pensavam, sem medo de serem admoestadas. De fato, no governo anterior não seriam reprimidas, pois os que estavam no poder ou pensavam como elas ou instigavam a todos com outros interesses não muito democráticos.
Com o novo governo, que para muitos era a encarnação do mal, aos poucos os radicais de direita estão se acalmando.
Mas, não podemos nos esquecer que em 8 de janeiro tentou-se forçar uma situação para um golpe conduzido pelos expoentes dessa ultradireita. O que não deu certo, pois as nossas Forças Armadas estavam e estão compromissadas com o regime democrático.
Certo estava Winston Churchill ao afirmar que “a democracia é o pior dos regimes políticos, mas não há nenhum sistema melhor que ela”.
Por outro lado, não é hora de permitir que os velhos radicais de esquerda passem a ditar as regras.
Voltamos ao apoio dos ditados populares: nem tanto ao mar e nem tanto à terra.
É hora de corrigir o curso e voltarmos para nossos avanços sociais, sem nos comprometermos com compromissos da ultradireita e da ultraesquerda, uma vez que, como afirmado no início, tudo em demasia não faz bem.
Edson Antonio Miranda
Advogado, professor universitário e escritor