Pobres afegãos.

Em sua história, o povo afegão sempre mostrou sua bravura e indomável resistência a invasores. Eles enfrentaram os britânicos, os soviéticos e os americanos. Nenhum outro povo conseguiu subjugar os afegãos, exceto eles próprios.

O Taleban tornou-se a própria ameaça ao povo afegão. Esse grupo radical extremista, com conceitos enraizados num passado incompatível com o presente da humanidade, já esteve no comando do Afeganistão e seus militantes rumaram para as montanhas, por ocasião da invasão americana em busca dos apoiadores de Bin Laden. Quando as forças americanas partiram em debandada desorganizada em 2021, os afegãos, que colaboravam com eles ou que já estavam acostumados com uma vida de liberdade de costumes, se viram em papos de aranha. Sabiam, com antecedência, que com certeza ou iriam para atrás das grades ou passariam por grandes provações.

Esses afegãos, então, procuraram fugir com o pouco que podiam carregar e salvar suas vidas e a de seus filhos.

Mais de dez mil afegãos obtiveram o visto humanitário, para ingressarem no Brasil, que foi concedido pela Embaixada brasileira em Teerã, o que pressupõe que ao chegarem teriam, pelo menos, o apoio do Governo Federal, que lhes prestaria a acolhida necessária.

Apesar de estarem partindo para um país ocidental de costumes tão diversos aos deles, com certeza apostavam todas as suas fichas na hospitalidade brasileira. Afinal, o Brasil sempre acolheu estrangeiros de todas as partes do mundo. Europeus, africanos e asiáticos, com algumas pitadas de latino-americanos, formaram o amálgama da população brasileira. Somos, com muito orgulho, uma mistura de povos. O Brasil agasalhou as maiores colônias estrangeiras. Portugueses, espanhóis, italianos, libaneses, japoneses e muitos outros que vieram às terras tupiniquins, somados aos africanos, estes forçados a trabalharem como escravos, uma mácula em nossa história, junto com os povos originários, formaram esta nação pacífica e exuberante. Mas sempre fomos vistos como um povo afável, afinal muitos vieram para cá, formaram família, venceram na vida e fincaram raízes por aqui.

Mas não estamos sendo nem um pouco afáveis com nossos irmãos afegãos.

Eles estão chegando ao Brasil, por meio do Aeroporto de Guarulhos e estão sendo alojados nas desconfortáveis poltronas do aeródromo, transformadas em dormitório com tendas erguidas com velhos cobertores e lençóis. Por lá ficam até serem alojados em algum local, para que possam recomeçar suas vidas interrompidas pela intolerância do Taleban.

Infelizmente, não há abrigos prontos para recebê-los imediatamente com camas, chuveiros e condições dignas para descansarem da longa viagem, que trilharam até chegarem na terra das oportunidades.

Por lá ficam no Aeroporto Internacional de Guarulhos por semanas até que surjam vagas nos abrigos paulistas destinados àqueles que receberam o visto humanitário.

Não há mais uma hospedaria aos imigrantes, como no passado existiu, para acolhê-los no tradicional bairro da Mooca na capital paulista.

A última leva de afegãos portadores de vistos humanitários agora lidam com uma epidemia de sarna humana e sequer puderam ter acesso regular a um chuveiro. Um simples e reles chuveiro.

O banho tornou-se artigo de luxo para os exaustos afegãos. Logo aqui em que há abundância de recursos hídricos e num país onde o banho diário é um dos nossos orgulhos nacionais.

Para o banho precisavam contar com a ajuda de alguns benfeitores, que cedem banheiros em hotéis próximos, para que pudessem lavar seus corpos cansados e encontrar o conforto de um chuveiro quente.

No belo aeroporto internacional não há instalações para manter os recém-chegados asilados humanitários. Depois de muitas idas e vindas, o Governo Federal decidiu levar os fatigados afegãos para uma colônia de férias na Praia Grande, balneário famoso dos paulistas. Porém, os ônibus que levavam os exauridos afegãos para um lugar acolhedor, foram interceptadas pelas autoridades praianas impedindo a chegada deles ao Éden improvisado.

A guarda municipal de Praia Grande tentou impedir a chegada dos afegãos, alegando as mais desumanas razões para não os receber.

Somente com chegada da Polícia Rodoviária Federal e com a intervenção do ministro da Justiça é que os ânimos dos interceptadores praianos foram arrefecidos e os tristes afegãos chegaram enfim a um local em que poderiam dormir e descansar com um pouco de dignidade.

Depois de toda essa odisseia, que envergonharia Ulisses, o ministro da Justiça declarou que serão disponibilizadas instalações hoteleiras para os expatriados afegãos.

Terrível recepção do povo brasileiro, conhecido por sua hospitalidade.

Para alguns pode parecer um contrassenso se preocupar com os asilados, se temos dezenas de milhares de brasileiros dormindo ao relento em nossas grandes cidades, mas se o Governo Federal concedeu visto humanitário aos afegãos fugidos da fúria Taleban, que os receba com dignidade. É o mínimo que temos que fazer pelos estrangeiros que, no passado não muito distante, transformaram este país na grande nação que é.



Edson Miranda
Advogado, professor universitário e escritor.